A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), proferida pelo ministro Flávio Dino no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 743, autoriza a desapropriação de imóveis rurais em razão da prática de ilícitos ambientais graves, notadamente incêndios dolosos e desmatamento ilegal. Trata-se de um importante precedente jurisprudencial, com implicações significativas para o agronegócio, ao atribuir à função socioambiental da propriedade — prevista nos artigos 184 e 186 da Constituição Federal — um papel central na aferição da legitimidade da manutenção da titularidade dominial.
Sob o prisma jurídico, a medida representa um avanço no sentido de coibir a reiterada degradação ambiental e o uso indevido de recursos públicos no combate a ilícitos ambientais. O fundamento central da decisão reside na constatação de que não é razoável ao Estado suportar, de forma contínua, os custos bilionários decorrentes de práticas criminosas ambientais, com impacto direto sobre biomas sensíveis como a Amazônia Legal e o Pantanal.
Entretanto, a ausência de critérios objetivos e de um procedimento legalmente delimitado para a caracterização da responsabilidade do proprietário — especialmente no que tange à comprovação do elemento subjetivo (dolo ou culpa) — pode comprometer a segurança jurídica e resultar em penalizações desproporcionais. Há risco concreto de que produtores rurais sejam responsabilizados por atos praticados por terceiros, como invasores ou grileiros, sem o devido contraditório e ampla defesa. A desapropriação, nesse contexto, assume natureza sancionatória e, por isso, deve observar estritamente o devido processo legal.
Na prática, a decisão sinaliza uma ruptura com o modelo tradicional de responsabilização por danos ambientais, que até então privilegiava medidas como aplicação de sanções administrativas, embargos, reparação do dano e ações civis públicas. A introdução da desapropriação como medida antecipatória ou imediata — inclusive em fase pré-processual — representa uma inflexão normativa que poderá gerar desequilíbrios, sobretudo para pequenos e médios produtores, que, diante de condutas pontuais e não intencionais, poderão ser privados de seu meio de subsistência.
Embora seja inegável a necessidade de repressão efetiva aos crimes ambientais, impõe-se ao Poder Judiciário e ao Legislativo a tarefa de regulamentar os contornos materiais e procedimentais da medida, assegurando:
(i) a definição clara dos níveis de dano ambiental que autorizam a desapropriação;
(ii) a exigência de nexo de causalidade direto entre a conduta do proprietário e o dano; e
(iii) a apresentação de provas robustas e periciadas, com observância do contraditório e da ampla defesa.
A decisão do STF inaugura um novo paradigma de responsabilização ambiental, mas sua legitimidade e eficácia dependerão de sua aplicação criteriosa, respaldada em elementos técnicos e jurídicos consistentes. O setor agropecuário brasileiro, responsável por parcela expressiva do PIB nacional e pela segurança alimentar do país, necessita de um ambiente normativo estável, previsível e equilibrado, que harmonize a proteção ambiental com a continuidade da atividade produtiva.
Em síntese, a medida adotada pelo STF deve ser interpretada como um instrumento de proteção ambiental, mas não pode converter-se em mecanismo de expropriação sumária, dissociado das garantias constitucionais mínimas. A sustentabilidade ambiental e a justiça agrária devem caminhar lado a lado, evitando-se soluções punitivistas que desconsiderem a complexidade das dinâmicas fundiárias e a vulnerabilidade de diversos produtores. Trata-se, portanto, de uma oportunidade para o Estado brasileiro estabelecer um marco regulatório que promova, de forma efetiva, a compatibilização entre desenvolvimento econômico, justiça social e preservação ambiental.
Fonte: Conjur