A Folha de Pagamentos e a Ausência de Crédito de IBS e CBS

23/10/2025

A folha de pagamentos não gera crédito de IBS nem de CBS. O modelo de IVA dual, instituído pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentado pela Lei Complementar nº 214/2025, cumpre o propósito de simplificação do sistema tributário ao incidir sobre todas as operações onerosas com bens e serviços, ressalvadas as hipóteses excepcionais previstas no artigo 6º da referida lei — entre as quais se incluem as relações de emprego.

Partindo da premissa de que o crédito do IVA decorre da incidência em operações anteriores, é natural que o contribuinte priorize despesas que gerem crédito para compensação nas saídas subsequentes. O caráter “por fora” do imposto induz a uma lógica de incentivo ao consumo de insumos tributados, em detrimento da produção intensiva em fatores não geradores de crédito.

Nesse contexto, impõe-se a reflexão: qual será o incentivo econômico para a manutenção da relação de emprego, quando a folha — uma das maiores despesas empresariais — não enseja qualquer creditamento?

Como a folha de pagamentos não constitui operação onerosa para fins de IBS e CBS, tende a ser percebida como gasto puro, sem retorno tributário. Além disso, ela integra a base de cálculo do imposto devido nas saídas, já que o valor agregado pela mão de obra compõe integralmente o preço do bem ou serviço, gerando majoração do IBS e da CBS devidos, sem contrapartida em créditos.

Do ponto de vista econômico, os efeitos são evidentes. Setores intensivos em insumos tributados obtêm créditos significativos e, consequentemente, experimentam menor carga líquida sobre o valor agregado. Já os setores intensivos em mão de obra, por dependerem de despesa que não gera crédito, enfrentarão maior tributação efetiva, com o débito de IBS e CBS aproximando-se da alíquota nominal sobre a receita.

Essa é a mecânica típica de um IVA amplo: quanto menor a proporção de aquisições tributadas em uma estrutura de custos, menor o volume de créditos disponíveis e, portanto, maior a incidência do imposto sobre o faturamento líquido.

Embora esse desenho guarde coerência com a neutralidade tributária buscada pela EC nº 132/2023 e pela LC nº 214/2025, ele estimula fortemente a terceirização de atividades internas, sobretudo em empresas carentes de créditos. A substituição da mão de obra pessoa física por pessoa jurídica torna-se economicamente mais atraente, pois o serviço prestado por PJ gera créditos de IBS e CBS e reduz encargos trabalhistas e previdenciários.

Tal cenário é agravado pela manutenção da vedação ao crédito sobre bens de uso e consumo. À medida que cresce o número de empregados, aumentam as despesas não vinculadas diretamente à atividade-fim e, portanto, não creditáveis.

Com a contratação de pessoas jurídicas, essas despesas passam a compor o preço do serviço tributado, cuja totalidade gera direito a crédito, reforçando a vantagem tributária da pejotização econômica.

Esse conjunto normativo impõe decisões estratégicas às empresas, que tenderão a ampliar o uso de insumos e serviços tributados (licenças, tecnologia, facilities, BPO, jurídico, entre outros), na medida em que cada contrato que gera débito de IBS/CBS converte-se em nova fonte de crédito fiscal.

Contudo, é ilusório supor que a pejotização seja solução plena para a neutralização dos efeitos tributários. Assim como no regime atual, a forma não prevalece sobre a substância: persistindo subordinação, pessoalidade e onerosidade, a relação pode ser requalificada como vínculo empregatício, com todos os ônus correspondentes. Ainda assim, diante da assimetria entre custo e creditamento, o contribuinte mais arrojado pode considerar o risco aceitável.

Cabe ainda destacar que o Projeto de Lei nº 1.087/2025, voltado à tributação da renda e dos dividendos, embora não altere a lógica de creditamento do IBS/CBS, impactará o custo total da mão de obra, pois o dividendo — remuneração final de muitas PJs — será onerado em até 10%.

A mensagem do novo sistema é de que crédito é valor econômico e somente nasce de operação tributada anterior. A folha de pagamentos, ainda que essencial à geração de riqueza, não se qualifica como tal, consolidando-se como fator de custo que aumenta a base tributável e incentiva a reorganização produtiva via terceirização e contratação de serviços.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-out-19/folha-nao-gera-credito-de-ibs-e-cbs-e-agora/