Ação contra administrador depende de anulação prévia da aprovação de contas

19/11/2025

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que, para o ajuizamento de ação de responsabilidade civil contra administrador por prejuízos causados à companhia, é indispensável, como condição antecedente, a anulação da deliberação assemblear que aprovou as contas por ele apresentadas — ainda que haja suspeitas de ilícitos, como práticas configuradas como corrupção corporativa.

O julgamento, que negou provimento ao recurso especial interposto por um grupo empresarial que alegava ter sido lesado por antigos diretores, voltou-se à aparente colisão normativa existente na Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/1976). De um lado, o artigo 134, § 3º, estabelece que a aprovação das demonstrações financeiras e das contas, sem reservas, pela assembleia geral, exonera o administrador de responsabilidade (quitus). De outro, o artigo 159 autoriza que a companhia promova ação de responsabilidade para ressarcir danos patrimoniais causados pela gestão.

Diante dessa tensão normativa, a jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que a ação indenizatória somente é admissível se a deliberação assemblear que aprovou as contas tiver sido previamente invalidada.

A controvérsia do recurso especial consistiu em definir se tal orientação também se aplica a hipóteses em que os administradores tenham praticado atos ilícitos — como recebimento de vantagens indevidas para firmar contratos prejudiciais à companhia.

Por maioria (3 votos a 2), a 3ª Turma concluiu que sim. Assim, manteve acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que, aplicando o entendimento consolidado, extinguiu ação de responsabilidade movida pelo grupo empresarial contra seus ex-diretores, cujas contas haviam sido aprovadas.

No caso concreto, os gestores eram acusados de receber cerca de R$ 98 milhões por intermédio de empresa utilizada para operacionalizar o pagamento de vantagens indevidas, a fim de viabilizar contratos lesivos à companhia — conduta reconhecida como corrupção corporativa, embora tal prática ainda não constitua tipo penal no ordenamento brasileiro.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, votou pela aplicação de uma distinção (distinguishing) a fim de admitir a ação de responsabilidade, mesmo diante da aprovação das contas. Para ela, os atos ilícitos perpetrados — por sua natureza — não são abarcados pelo escopo da aprovação das contas anuais, pois extrapolam a esfera regular da gestão empresarial. Assim, não poderiam ser automaticamente exonerados pelo quitus.

Destacou que, admitir o contrário, equivaleria a blindar o administrador que, violando deveres fiduciários de diligência, lealdade e informação, omite da assembleia fatos essenciais ou age fraudulentamente, drenando recursos em benefício próprio. Exigir a anulação das contas, nessas circunstâncias, seria ilógico, pois implicaria invalidar um ato que, na prática, jamais analisou os ilícitos praticados. Acompanharam-na nessa linha o ministro Moura Ribeiro.

Prevaleceu, contudo, o voto divergente inaugurado pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, segundo o qual a interpretação sistemática da Lei das S.A. leva à conclusão de que todos os atos de gestão — inclusive eventuais irregularidades — estão compreendidos no alcance da aprovação das contas pela assembleia, produzindo integralmente o efeito exoneratório do quitus.

Afastar esse entendimento consolidado, segundo o ministro, geraria insegurança jurídica, subjetivando a extensão da exoneração e criando instabilidade nos mecanismos de prestação de contas e deliberação societária. Ressaltou ainda que a lei não distingue, para fins de quitus, entre atos conhecidos ou desconhecidos pela assembleia ao tempo da aprovação. Acompanharam-no os ministros Humberto Martins e Daniela Teixeira.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-nov-13/acao-civil-contra-diretor-por-ilicito-exige-anulacao-da-aprovacao-de-contas/