O Tribunal Administrativo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em sessão realizada em 20 de agosto de 2025, firmou maioria no sentido de manter a aprovação da incorporação das ações da BRF pela Marfrig sem a imposição de condicionantes ou restrições concorrenciais. Embora o julgamento do recurso interposto pela Minerva S.A., terceira interessada, tenha sido suspenso em virtude de pedido de vista formulado pelo conselheiro Carlos Jacques, cinco dos sete membros do colegiado já haviam se manifestado favoravelmente à manutenção da decisão anteriormente proferida pela Superintendência-Geral.
A Minerva sustentou que a operação demandaria a imposição de medidas estruturais aptas a neutralizar potenciais riscos de concentração econômica no setor frigorífico, alegando que a incorporação implicaria a assunção do controle societário da BRF pela Marfrig. Ademais, enfatizou a relevância da participação da Saudi Agricultural and Livestock Investment Company (Salic) — veículo de investimentos do fundo soberano da Arábia Saudita, acionista relevante tanto da BRF quanto da própria Minerva — na futura sociedade resultante da operação (MBRF), hipótese que, segundo a recorrente, agravaria os riscos de coordenação e de acesso a informações concorrencialmente sensíveis.
As sociedades envolvidas, contudo, sustentaram que todas as objeções suscitadas já teriam sido objeto de apreciação anterior pelo Cade, não subsistindo fundamentos para a imposição de novas restrições. Argumentaram, ainda, que o controle da Marfrig sobre a BRF teria se consolidado desde 2023, quando a primeira atingiu participação acionária equivalente a 40% do capital social. Quanto à eventual participação da Salic na companhia resultante, defenderam tratar-se de hipótese futura e incerta, já que o fundo soberano possui a prerrogativa de alienar sua participação, de modo que eventual exercício de direitos políticos deveria ser objeto de apreciação autônoma e superveniente pela autarquia.
O voto do relator, conselheiro Gustavo Augusto, conheceu do recurso interposto pela Minerva, mas manteve a aprovação da operação sem restrições, ressalvando que a decisão não se pronuncia sobre os direitos políticos eventualmente atribuíveis à Salic, matéria que deverá ser objeto de exame específico, caso venha a ser formalmente notificada ao Cade. Em seu entendimento, a única preocupação concorrencial relevante residiria no risco de acesso indevido a informações sensíveis, não se verificando, contudo, incremento significativo de concentração econômica, haja vista que a companhia resultante da fusão não ultrapassaria a participação de 20% em nenhum dos mercados relevantes, em razão da especialização distinta das empresas — aves e suínos (BRF) e bovinos (Marfrig).
O conselheiro Victor Fernandes abriu divergência, votando pelo não conhecimento do recurso, ao fundamento de que a legislação concorrencial circunscreve a admissibilidade recursal às hipóteses em que o ato de concentração aprovado possa implicar (i) eliminação da concorrência em parcela substancial do mercado relevante; (ii) criação ou reforço de posição dominante; ou (iii) dominação de mercado de bens ou serviços. Tal compreensão foi acompanhada pelos conselheiros Diogo Thomson e José Levi Mello do Amaral Júnior. Fernandes, todavia, reconheceu que o único aspecto merecedor de ulterior exame seria a possibilidade de exercício de direitos políticos pela Salic, em conformidade com a ressalva proposta pelo relator.
A conselheira Camila Cabral Pires Alves, por sua vez, também votou pelo não conhecimento do recurso, embora mediante fundamentação própria. Destacou que a Marfrig já detém o controle fático da BRF e que o processo se encontrava em tramitação no Cade há 84 dias, período considerado excessivo à luz da praxe decisória da autarquia, o que, a seu ver, reforçaria a impropriedade de prolongar a discussão recursal.
Em síntese, o julgamento revela a consolidação de um entendimento majoritário no sentido da inexistência de efeitos anticompetitivos substanciais decorrentes da operação, prevalecendo a tese de que eventuais preocupações associadas à participação da Salic devem ser analisadas casuisticamente em momento oportuno, caso venha a se configurar sua atuação política na sociedade resultante.
Ato de Concentração 08700.005409/2025-01