A constrição judicial de ativos virtuais no Brasil ainda enfrenta entraves substanciais, decorrentes não apenas da ausência de integração normativa e tecnológica entre o Poder Judiciário e as entidades atuantes no mercado cripto, mas também do descompasso entre a rapidez com que evoluem as tecnologias de blockchain e os instrumentos jurídicos destinados a regulá-las. O Direito, em sua natureza mais cautelosa e formal, tem se mostrado lento para acompanhar as inovações que remodelam as dinâmicas econômicas e patrimoniais, o que compromete a efetividade das medidas judiciais voltadas a esses novos ativos.
O crescimento exponencial de fraudes estruturadas sob o pretexto de investimentos em criptoativos — popularmente conhecidas como “pirâmides financeiras” — impulsionou a criação do CriptoJud, sistema concebido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para centralizar, em um ambiente eletrônico único, o envio automatizado de ofícios a empresas que operam com ativos virtuais. Trata-se, contudo, de um equívoco comum interpretar o CriptoJud como um instrumento de bloqueio patrimonial direto. Na realidade, o sistema atua como plataforma de comunicação processual, semelhante a um repositório centralizado para requisições judiciais, e não como mecanismo de constrição automática.
Enquanto o Sisbajud, por estar formalmente integrado ao Banco Central e às instituições financeiras, permite bloqueios imediatos de valores no Sistema Financeiro Nacional, o CriptoJud, nas condições atuais, não dispõe de suporte normativo nem tecnológico para executar medidas coercitivas diretas. Isso porque ainda inexiste regulamentação específica do Banco Central que estabeleça parâmetros claros de autorização, supervisão ou cadastro das prestadoras de serviços de ativos virtuais. Sem esse vínculo jurídico-regulatório, não há interoperabilidade técnica capaz de converter uma ordem judicial em bloqueio efetivo de criptoativos, restringindo o sistema ao papel de expedidor ágil de ofícios.
Além disso, a menção à eventual liquidação dos ativos em moeda fiduciária suscita dúvidas operacionais e jurídicas ainda sem resposta normativa: quem seria responsável pela custódia dos ativos constritos? Em que fase processual se daria a conversão? Como mitigar a volatilidade típica dos ativos digitais e definir quem arcará com eventuais perdas ou se beneficiará de ganhos entre a constrição e a liquidação? Tais questões evidenciam o vácuo regulatório que ainda cerca a custódia judicial de criptoativos, a gestão de riscos de mercado e a responsabilização patrimonial correlata.
Outra limitação incontornável reside no fato de que ativos mantidos em carteiras de autocustódia, corretoras estrangeiras sem representação no Brasil ou plataformas descentralizadas (DEX) permanecem fora do alcance jurisdicional. A própria essência da autocustódia — pilar da soberania financeira na economia digital — confere ao titular controle exclusivo sobre seus ativos, mas simultaneamente inviabiliza a execução de medidas constritivas. Tal dilema revela o desafio de conciliar, em termos regulatórios, a proteção das garantias individuais com a efetividade da tutela jurisdicional.
Por fim, embora o CriptoJud represente um avanço institucional relevante ao modernizar e centralizar o fluxo de comunicações judiciais relacionadas a ativos virtuais, é imperioso reconhecer que sua eficácia plena depende da consolidação de um marco regulatório robusto, que integre as prestadoras de serviços de ativos virtuais ao sistema financeiro formal, estabeleça padrões de interoperabilidade e discipline os procedimentos de custódia e liquidação. Até que tais medidas sejam implementadas, o CriptoJud deve ser compreendido como um instrumento de transição, que moderniza a comunicação processual, mas ainda não realiza a promessa de efetividade executória que o discurso público tem sugerido.