A ausência de informação clara e prévia acerca da natureza do empreendimento — classificado como Habitação de Interesse Social (HIS) — configura violação ao dever anexo de informação e ao princípio da boa-fé objetiva, legitimando a resolução do contrato por culpa exclusiva da incorporadora quando o consumidor não atende aos requisitos legais de renda exigidos para aquisição do imóvel e é induzido a erro quanto à viabilidade do negócio.
Com base nesse entendimento, a magistrada Flavia Poyares Miranda, da 28ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, julgou procedente a ação para decretar a rescisão de dois compromissos de compra e venda, condenando a incorporadora à restituição integral dos valores pagos pelos consumidores, incluídos os montantes referentes à comissão de corretagem.
O caso envolve a aquisição de duas unidades contíguas por um casal, com a finalidade de unificação para moradia do filho. Consta dos autos que o corretor assegurou a viabilidade da unificação e omitiu, em um primeiro momento, as restrições específicas do empreendimento. Apenas após a celebração dos contratos e no ato de assinatura de declarações complementares, os compradores foram informados de que o imóvel se enquadrava na categoria “HIS-2”, destinada a adquirentes com renda dentro de parâmetros legais específicos, os quais não eram atendidos pelos autores, inviabilizando a finalidade pretendida.
Ao apreciar o mérito, a juíza destacou tratar-se de relação de consumo, regida pela boa-fé objetiva, a qual impõe deveres de lealdade e transparência desde a fase pré-contratual (diligência in contrahendo). Citando doutrina de Ruy Rosado de Aguiar Júnior, consignou que a boa-fé constitui fonte autônoma de deveres, apta a limitar a autonomia privada e a exigir condutas informativas adequadas.
A decisão registrou, ainda, que nem o material publicitário, nem o contrato, nem o memorial descritivo faziam referência à classificação HIS-2, tendo tal informação surgido apenas em declaração de renda apresentada uma semana após a conclusão do negócio, sem adequada explicação quanto às consequências legais. Conforme assinalado na sentença, a omissão informacional colocou os consumidores em desvantagem exagerada e incompatível com a boa-fé contratual.
Restou reconhecido que o vício de informação foi determinante para a contratação, pois, se cientes das restrições legais e da impossibilidade de enquadramento na faixa de renda exigida, os autores não teriam adquirido os imóveis. Em razão da culpa exclusiva das vendedoras, foi determinada a devolução de 100% dos valores pagos, abrangendo inclusive a comissão de corretagem, considerada decorrente de prestação de serviço deficiente que induziu os consumidores a erro.
Determinou-se, por fim, que a atualização monetária observe o IPCA, com a incidência de juros pela taxa Selic, nos termos da Lei nº 14.905/2024.