O Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), de competência municipal, previsto no artigo 156, II, da Constituição Federal, tem sido historicamente objeto de controvérsia quanto à delimitação do seu fato gerador, especialmente nas hipóteses de cessão de direitos aquisitivos sem a efetiva transferência da propriedade imobiliária.
A norma constitucional contempla três hipóteses autônomas de incidência: (i) transmissão onerosa de bens imóveis; (ii) transmissão de direitos reais sobre imóveis, excetuados os de garantia; e (iii) cessão de direitos relativos à aquisição. Todavia, a jurisprudência consolidou-se, durante décadas, em torno da primeira hipótese, entendendo que o fato gerador do ITBI ocorre somente com o registro do título translativo perante o Cartório de Registro de Imóveis. Esse entendimento foi reafirmado no Tema 1.124 da Repercussão Geral (ARE 1.294.969/SP), em que o Supremo Tribunal Federal fixou a tese de que o imposto somente incide com a efetiva transferência do domínio mediante registro.
Entretanto, a Corte não enfrentou de modo específico a hipótese constitucional da cessão de direitos aquisitivos. Em sede de embargos de declaração, julgados em agosto de 2022, o STF reconheceu a omissão e admitiu a necessidade de rediscutir a matéria, com destaque para o voto do Ministro Dias Toffoli, que salientou a autonomia das três hipóteses constitucionais e a insuficiência da análise anterior para resolver a controvérsia.
No plano infraconstitucional, o Superior Tribunal de Justiça, que tradicionalmente acompanhava a orientação restritiva ao registro (AgRg no AREsp 215.273/SP; AgRg no Ag 880.955/RJ; REsp 863.893/PR), adotou recentemente postura mais cautelosa (AREsp 2.304.469), determinando a suspensão do feito na origem até a definição pelo STF.
O julgamento pendente da Suprema Corte será, portanto, decisivo para estabelecer se as cessões de direitos aquisitivos configuram fato gerador autônomo do ITBI, independentemente de registro, ou se devem permanecer excluídas do campo de incidência.
De um lado, os municípios defendem a tributação, sustentando que a literalidade constitucional legitima a incidência e que tal interpretação preserva a arrecadação e coíbe planejamentos abusivos que retardem indefinidamente o pagamento do imposto por meio de sucessivas cessões não registradas. De outro, os contribuintes argumentam que a cessão de direitos obrigacionais não transfere propriedade, mas apenas posição contratual, inexistindo, portanto, substrato jurídico para a cobrança. Ressalta-se, ainda, o risco de bitributação e a necessidade de segurança jurídica nas operações imobiliárias.
A par desse debate, tramita o PLP nº 108/2024, inserido no contexto da reforma tributária, que propõe relevante modificação: a inclusão do artigo 35-A no Código Tributário Nacional, autorizando municípios e o Distrito Federal a antecipar a exigência do ITBI para o momento da celebração do ato translativo oneroso, independentemente do registro. O projeto também faculta a instituição de alíquotas reduzidas para estimular o recolhimento antecipado, além de prever nova disciplina da base de cálculo (artigo 38-A), consolidando o uso do “valor de referência” e impondo ao contribuinte o ônus de comprovar eventual divergência em relação ao valor de mercado.
Assim, o futuro da tributação do ITBI em operações de cessão de direitos aquisitivos dependerá da necessária harmonização entre (i) a tese vinculante a ser fixada pelo STF no Tema 1.124 e (ii) a eventual aprovação do PLP nº 108/2024, que redesenha a sistemática do imposto ao antecipar o fato gerador e consolidar o valor de referência como parâmetro prevalente.