A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos (3 a 2), decidiu, em sessão realizada em 19 de agosto, pela possibilidade de renovação compulsória de contrato por determinação judicial, com fundamento na necessidade de assegurar a continuidade de empresa em recuperação judicial.
O colegiado determinou que a TV Globo mantenha, por mais cinco anos, contrato de retransmissão com a TV Gazeta de Alagoas, afiliada integrante da Organização Arnon de Mello, pertencente ao ex-presidente Fernando Collor, atualmente submetida a processo de soerguimento judicial. A medida foi requerida pela devedora sob o argumento de que o referido contrato é responsável por aproximadamente 72% de sua receita, sendo essencial para a sua manutenção e para evitar a falência.
A controvérsia demandou interpretação extensiva da Lei nº 11.101/2005 e gerou divisão entre os ministros. Prevaleceu o voto divergente do ministro Humberto Martins, seguido pelos ministros Moura Ribeiro e Daniela Teixeira, em detrimento da posição do relator, Ricardo Villas Bôas Cueva, acompanhado pela ministra Nancy Andrighi. Estes últimos entenderam que a imposição da renovação comprometeria a autonomia privada e poderia gerar impactos sistêmicos no regime jurídico da recuperação judicial.
A corrente vencedora apoiou-se no art. 47 da Lei nº 11.101/2005, que consagra a função social da empresa e estabelece como finalidade da recuperação judicial a preservação da atividade econômica, da manutenção de empregos e da satisfação dos credores. Nesse contexto, entendeu-se que a apreciação incidental da renovação do contrato competiria ao juízo da recuperação, em razão da sua relevância para a continuidade da atividade empresarial.
O ministro Humberto Martins sustentou ainda interpretação ampliativa do conceito de “bem de capital essencial”, tradicionalmente associado a ativos físicos (máquinas, imóveis e equipamentos). Para a maioria, tal conceito também pode abranger relações contratuais indispensáveis à sobrevivência da empresa, como no caso concreto. Assim, destacou-se que a hermenêutica aplicada deve priorizar os princípios subjacentes à legislação recuperacional, e não apenas a literalidade normativa.
Diante disso, o colegiado concluiu ser legítima, em caráter excepcional, a mitigação do princípio da autonomia da vontade contratual, impondo à TV Globo a manutenção da relação jurídica mesmo contra a sua vontade, em razão do interesse público que permeia a recuperação judicial.
Por outro lado, o voto vencido do ministro Villas Bôas Cueva ressaltou que o juízo da recuperação não detém competência para deliberar sobre contratos vigentes, tampouco seria admissível a relativização da autonomia privada em nome da renovação compulsória. Destacou ainda que a medida, requerida incidentalmente pela devedora, impôs obrigação a terceiro estranho ao processo recuperacional, sem a devida oportunidade de contraditório.
Assim, o julgamento evidenciou a tensão entre a autonomia da vontade e a função social da empresa em crise, consolidando entendimento inédito no sentido de que, em situações extremas, o contrato pode ser equiparado a bem de capital essencial e, portanto, protegido pela jurisdição recuperacional.
REsp 2.218.453