Desistência do recurso impede análise de questão de ordem pública, diz STJ

03/10/2024

A desistência do recurso impede a análise do mérito recursal, salvo quando houver repercussão geral reconhecida e nos casos de julgamentos de recursos extraordinários ou especiais repetitivos.

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial ajuizado pelo Ministério Público de São Paulo, no processo de recuperação judicial do Grupo Abril.

O caso trata da decisão que homologou o plano aprovado pela assembleia-geral de credores. Apenas um deles, a Mckinsey & Company, interpôs recurso ao Tribunal de Justiça de São Paulo contestando a decisão.

O objetivo do recurso era obter a nulidade da cláusula referente ao pagamento dos credores quirografários (Classe III), por conta de deságio abusivo e de tratamento diferenciado entre credores de mesma classe.

Antes da inclusão da pauta para julgamento, a credora cedeu seus créditos à Montblanc Securitizadora de Créditos, que peticionou nos autos requerendo a desistência do recurso.

Isso frustrou os planos do MP-SP, que não recorreu da decisão de homologação, mas esperava aproveitar o recurso da credora para discutir questões relacionadas à Classe I de credores, detentores de crédito trabalhista.

Segundo o Ministério Público paulista, o plano inclui uma cláusula de quitação indiscriminada dos débitos trabalhistas, que viola o artigo 54 da Lei 11.101/2005 e permite a renúncia a direitos indisponíveis.

Ao STJ, o MP-SP apontou que seria inaceitável o TJ-SP ater-se ao pedido de desistência enquanto há questões de ordem pública relativas aos interesses da classe mais vulnerável para serem analisadas.

Relator, o ministro Marco Aurélio Bellizze manteve a decisão de homologar a desistência. Explicou que desistir de um recurso é ato unilateral e não depende do consentimento da outra parte ou de homologação judicial.

“A desistência do recurso impede a análise do mérito recursal, salvo quando houver repercussão geral reconhecida e nos casos de julgamento de recursos extraordinários ou especiais repetitivos”, apontou.

Ainda que as jurisprudências do STJ e do Supremo Tribunal Federal admitam a continuidade de alguns julgamentos após pedidos de desistência, essa postura se justifica para evitar a chamada “manipulação da pauta” dos tribunais, situação que não ocorreu no caso.

“Ora, se havia as apontadas ilegalidades concernentes aos credores trabalhistas, cabia ao Ministério Público recorrer da decisão que homologou o plano de recuperação judicial do Grupo Abril, o que, todavia, não o fez, a despeito de sua incontroversa legitimidade para tanto”, disse o ministro Bellizze.

Para ele, não é possível o MP-SP optar por não recorrer da homologação do plano e depois tentar usar um recurso que contesta questões relacionadas à Classe III (quirografários) para tentar discutir tema que diz respeito à Classe I (trabalhistas).

“Não havendo recurso interposto pelo MP-SP e nem por algum credor trabalhista contra o aludido decisum, revela-se precluso o direito de impugnar o plano de soerguimento do Grupo Abril, ainda que se trate de matéria de ordem pública”, concluiu.


REsp 1.985.436

Fonte: Conjur

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