A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) assentou a possibilidade de retificação do valor da causa, mesmo em fase de cumprimento de sentença com trânsito em julgado, em hipóteses excepcionais e teratológicas — aquelas em que há erro evidente e potencial enriquecimento ilícito.
Com esse entendimento, a Corte evitou que uma credora de R$ 226,3 mil passasse a figurar como devedora de R$ 34,3 milhões no mesmo processo. Para tanto, foi necessário relativizar a interpretação tradicional do artigo 494 do Código de Processo Civil, segundo a qual o juiz estaria impedido de modificar o valor da causa após o trânsito em julgado, sob pena de violação à coisa julgada.
O caso possui peculiaridades notáveis. Trata-se de ação indenizatória que culminou na condenação de um réu ao pagamento de R$ 220 mil por danos materiais. Diante da dificuldade em executar o crédito, a autora obteve a penhora de imóveis pertencentes a uma empresa da qual o devedor é sócio, sob o argumento de que os bens estariam sendo utilizados para ocultação patrimonial.
A empresa, por sua vez, opôs embargos de terceiro, que foram acolhidos, resultando no levantamento da penhora. Em decorrência disso, a autora da ação foi condenada ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 20% sobre o valor da causa.
Ocorre que, na fase de cumprimento da sentença, os honorários foram indevidamente calculados sobre o valor dos imóveis penhorados — cerca de R$ 69,7 milhões — e não sobre o crédito originalmente perseguido. Tal equívoco levou à absurda consequência de a autora, que buscava receber R$ 226,3 mil, tornar-se devedora de R$ 34,3 milhões.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu a desproporcionalidade da situação e determinou a correção do valor da causa, recalculando os honorários com base no montante do crédito discutido, o que os reduziu para R$ 45,2 mil.
Relatando o recurso especial interposto pela empresa, a ministra Nancy Andrighi ressaltou o caráter teratológico da situação, ao salientar que o erro conduziria à obrigação de pagamento de uma quantia 758 vezes superior à efetivamente devida. A relatora concluiu pela admissibilidade da correção, mesmo após o trânsito em julgado, diante da flagrante desproporção e do erro manifesto.
A decisão da Terceira Turma foi unânime.
REsp 2.183.380
Fonte: Conjur