STJ admite mitigação do direito real de habitação quando sua finalidade social não é atendida

14/11/2024

Em recente decisão, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que o direito real de habitação, garantido pelo artigo 1.831 do Código Civil ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, pode ser mitigado em circunstâncias excepcionais, especialmente quando não cumpre sua função social. Tal entendimento foi firmado ao prover recurso especial movido por dois irmãos que solicitaram a exclusão desse direito em favor da viúva de seu pai, sobre o único imóvel deixado como herança.

O caso teve origem em uma ação de inventário na qual os herdeiros argumentaram que o direito de habitação deveria ser relativizado em prol do direito de propriedade e da equidade na partilha, visto que a viúva dispunha de meios financeiros suficientes para garantir sua própria subsistência e moradia. Inicialmente, as instâncias inferiores negaram o pedido, apoiando-se na concepção de que o direito real de habitação visa proteger o cônjuge ou companheiro remanescente, preservando sua permanência no imóvel familiar independentemente da existência de outros bens no espólio.

No recurso interposto ao STJ, os herdeiros apresentaram argumentos robustos: a viúva, beneficiária de uma pensão integral em virtude do falecido, que era procurador federal, possuía rendimentos compatíveis com os dos procuradores ativos e mais de R$ 400 mil em reservas financeiras, sendo plenamente capaz de sustentar uma moradia em padrão equivalente ao imóvel herdado. Ainda, os herdeiros alegaram que, pela idade próxima entre eles e a viúva, as chances de desfrutarem do imóvel em vida seriam reduzidas.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, reconheceu que o direito real de habitação é uma garantia de proteção no âmbito sucessório, com o propósito de assegurar ao cônjuge sobrevivente o direito constitucional à moradia e a manutenção de seu lar. Contudo, observou que tal direito não possui caráter absoluto. Em situações específicas, ele pode ser mitigado, especialmente quando não se alinha com sua finalidade social, impondo-se a ponderação entre o direito do cônjuge e os direitos dos herdeiros, de acordo com as condições particulares do caso.

Entre as justificativas para a flexibilização desse direito, a ministra citou a hipótese em que há apenas um imóvel a ser partilhado e o cônjuge sobrevivente possui outros meios para garantir sua dignidade e subsistência. Ela também pontuou que a mitigação pode se aplicar quando o direito à habitação do cônjuge prejudica outros membros vulneráveis do núcleo familiar, como crianças, idosos ou pessoas com deficiência que residiam no imóvel.

No voto, a ministra enfatizou que o artigo 1.831 do Código Civil deve ser interpretado com cautela, considerando como regra a proteção do direito real de habitação ao cônjuge sobrevivente, desde que presentes os requisitos legais. No entanto, essa proteção pode ser flexibilizada em contextos excepcionais, onde sua manutenção acarrete prejuízos desproporcionais aos herdeiros e não se justifique frente à situação econômica e pessoal do cônjuge remanescente.

“Na presente situação, deve-se relativizar o direito real de habitação da convivente supérstite, pois restou comprovado que a recorrida possui recursos financeiros suficientes para garantir sua dignidade e condições de moradia, enquanto o imóvel em questão, sendo o único a inventariar, acabaria por prejudicar os herdeiros, que não usufruiriam dele em vida”, concluiu a ministra Andrighi.

Essa decisão do STJ abre precedentes para uma interpretação mais equilibrada do direito real de habitação, priorizando o alcance de sua função social e a justiça na partilha entre os herdeiros, sem desconsiderar a necessidade de proteção ao cônjuge ou companheiro remanescente.

REsp 2.151.939

Fonte: Conjur

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