A questão do propósito negocial nas empresas-veículo utilizadas em operações societárias que geram ágio interno é o centro da divergência nas turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Sem um propósito negocial legítimo, essas empresas servem apenas para criar artificialmente valor para o grupo econômico, resultando em ágio interno quando uma empresa é incorporada por outra.
Esse ágio interno pode ser amortizado nos balanços financeiros durante a apuração do lucro real, na proporção de 1/60 por mês, o que reduz a base de cálculo do IRPJ e da CSLL, diminuindo a carga tributária.
Essa prática foi amplamente utilizada por contribuintes brasileiros, que criavam empresas-veículo pertencentes a elas mesmas e depois as incorporavam, gerando ágio interno passível de amortização.
Essa estratégia continuou até a promulgação da Lei 12.973/2014, que proibiu explicitamente o ágio entre partes dependentes. Como a legislação anterior não tratava do tema de forma clara, havia um debate sobre a legalidade dessa prática.
A controvérsia é tão significativa que, segundo o ministro Francisco Falcão, representa uma disputa de R$ 100 bilhões.
A dúvida levantada por tributaristas é se o uso de empresas-veículo para gerar ágio interno será sempre considerado uma estratégia vedada para efeitos tributários.
Em 2023, a 1ª Turma decidiu que o Fisco não pode presumir que essas empresas não tenham um fundamento material ou econômico, afastando a possibilidade de amortização do ágio interno. A decisão se baseou no fato de que a lei nunca proibiu o uso de sociedades-veículo, cabendo ao Fisco demonstrar, caso a caso, a artificialidade das operações.
O ministro Gurgel de Faria, relator do caso, afirmou que a criação de empresas-veículo com razões estratégicas, econômicas ou operacionais é legítima, e a análise deve ser feita de acordo com cada caso específico.
Em contraste, a 2ª Turma adotou uma postura mais restritiva, considerando que uma empresa-veículo não é uma empresa no sentido do Código Civil, já que não exerce atividade econômica organizada. Assim, a criação de tais empresas para reestruturação societária, quando seu valor é acordado entre as partes (que pertencem ao mesmo grupo econômico), não permite a amortização do ágio.
O ministro Francisco Falcão afirmou que a criação de estruturas artificiais para gerar ágio e reduzir tributos fere a juridicidade do sistema jurídico.
A divergência nas interpretações entre as turmas torna necessário que o caso seja submetido à 1ª Seção, composta pelos membros da 1ª e 2ª Turmas, a fim de esclarecer a questão.
O ministro Francisco Falcão, em seu voto, afirmou que o contribuinte tem o direito de estruturar seus negócios de forma a optar pelo caminho mais vantajoso do ponto de vista tributário, desde que respeite as normas jurídicas. Ele destacou que a Lei 9.532/1997 permitia a amortização do ágio na base de cálculo do IRPJ e da CSLL quando uma empresa adquiria participação societária com ágio, e esse valor poderia ser amortizado ao incorporar uma empresa coligada ou controlada. Neste sentido:
“A Lei n. 9.532/1997 estabeleceu um caminho natural em que determinada empresa, adquirindo participação societária com ágio, ao incorporar a empresa coligada ou controlada, poderia amortizar esse valor de rentabilidade futura na base de cálculo do IRPJ e da CSLL devidos”, destaca.
“Tudo isso com o objetivo específico de afastar da tributação o eventual ganho futuro que, em verdade, somente poderia ser aferido em posterior venda, frustrada pela extinção da empresa adquirida”, acrescenta.
REsp 2.026.473
REsp 2.152.642
Fonte: Conjur