O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão proferida na sessão de 26 de fevereiro, declarou a inconstitucionalidade da incidência do Imposto Sobre Serviços (ISS) sobre etapas intermediárias de produção de bens destinados à comercialização ou à industrialização. Ademais, a Corte fixou o entendimento de que as multas moratórias estabelecidas pela União, estados, Distrito Federal e municípios devem observar um limite máximo de 20% do débito tributário.
No julgamento, cuja tese possui repercussão geral (Tema 816), prevaleceu o voto do ministro relator Dias Toffoli, que também propôs a modulação dos efeitos da decisão, estabelecendo que, nos casos em que o ISS já tenha sido recolhido, não será exigido o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre os mesmos fatos geradores, e vice-versa.
O Caso Concreto
O leading case envolveu uma empresa sediada em Contagem (MG), contratada para realizar o corte de bobinas de aço em chapas. O município alegava que a atividade era tributável por estar prevista no subitem 14.05 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003, que inclui serviços como galvanoplastia, anodização, corte, recorte e acabamento de objetos em geral. Tanto as instâncias ordinárias quanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) haviam validado a exação fiscal.
Contudo, Toffoli entendeu que a previsão do subitem 14.05 não poderia abranger as etapas de produção de bens destinados à comercialização ou à industrialização, por caracterizar bitributação com o IPI e extrapolar a competência tributária dos municípios.
Modulação dos Efeitos
O relator propôs a modulação para restringir a cobrança do ISS sobre fatos geradores ocorridos até a véspera da publicação da ata do julgamento do mérito, vedando a repetição de indébito do imposto recolhido até essa data. Em contrapartida, também restou vedada a exigência retroativa do IPI sobre tais fatos geradores.
A exceção à modulação alcança ações judiciais ajuizadas até essa data, incluindo repetições de indébito e execuções fiscais relativas à incidência do ISS. Nos casos de bitributação comprovada, o contribuinte terá direito à restituição do ISS independentemente de propor ação judicial. Já para situações de não recolhimento de ISS ou IPI, prevalecerá a incidência do IPI sobre os fatos geradores até a data fixada.
Fundamentação do Julgamento
O ministro Toffoli ressaltou que a definição da incidência do ISS sobre a industrialização por encomenda deve considerar sua função dentro da cadeia produtiva, e não apenas a análise isolada da atividade exercida pela empresa contratada. Se o bem retorna à circulação econômica ou passa por nova industrialização após a prestação do serviço, esta constitui etapa intermediária do ciclo produtivo e não está sujeita à incidência do ISS.
Dessa forma, a decisão abrange atividades como restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, plastificação, costura, acabamento, polimento, entre outras.
O relator ainda recordou que, em precedentes de 2014 e 2015, a 1ª Turma do STF reconheceu a inconstitucionalidade da incidência do ISS sobre industrialização por encomenda em materiais fornecidos pelo contratante, reafirmando que tal operação caracteriza etapa intermediária do ciclo produtivo.
Tese Fixada pelo STF
O Supremo Tribunal Federal consolidou a seguinte tese:
- É inconstitucional a incidência do ISS prevista no subitem 14.05 da Lista anexa à LC 116/2003 quando o objeto da prestação de serviço for destinado à industrialização ou à comercialização;
- As multas moratórias estabelecidas pelos entes federativos devem observar o teto de 20% do débito tributário.
Divergências e Votos Vencidos
Os ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Rosa Weber (aposentada), André Mendonça, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Nunes Marques acompanharam o relator.
Os ministros Gilmar Mendes e Cristiano Zanin discordaram parcialmente da modulação, defendendo a possibilidade de incidência do IPI sobre as mesmas operações, pois a questão não teria sido amplamente debatida no caso concreto.
Por sua vez, o ministro Alexandre de Moraes apresentou divergência em sessão anterior, sustentando que a incidência do ISS seria constitucional, mesmo em casos de industrialização por encomenda. Contudo, acompanhou Toffoli quanto à fixação do teto das multas moratórias em 20%, em razão do princípio do não confisco.
A decisão representa um marco na jurisprudência do STF, esclarecendo os limites da competência tributária municipal e coibindo a bitributação na industrialização por encomenda, garantindo maior segurança jurídica aos contribuintes.
RE 882.461
Fonte: Conjur